quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

uma verdade



Se o desenho, há tanto feito,
já se desgasta e se apaga
e na folha pouco branco resta no amarelo,
é o tempo devorando o que é meu
pois ele sabe que não é meu, é dele.

E ele há de devorar todas as coisas
e ele há de devorar todos os homens.

E da estranha sensação que essa verdade gera,
vem um pensamento com algum sabor de alívio:
ele há de tragar todas as dores
e todos os falsos amores.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011



As pessoas esperam encontrar o amor. Eu o encontrei. Eu o encaro dia e noite, desde então. Mas o bastardo ora faz que não me vê, ora finge que não é o próprio amor. Outro dia proclamei "vá pro inferno! Não quero mais te ver". Agora ele persegue meus olhos, mas nunca me pertence.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

¼ de misantropia

Não que eu aprecie a solidão. Na verdade, ela é uma das coisas que eu mais temo. Mas fui acostumada a ela. Às vezes, é para mim menos exaustiva a ausência das palavras. Busco outras companhias, que não sejam diretamente humanas. Companhia nos livros. No grafite e nas folhas de papel. Companhia nos sons, sejam eles da música, da natureza ou da minha mente barulhenta (por mais traiçoeira que ela possa ser, às vezes).
Mas é uma relação de amor e ódio: não suporto ficar só por muito tempo (quem suporta?). Eu não sei lidar com pessoas, mas não sei viver sem isso. Não aprendi a me expressar. Receio dizer que a minha expressão, por não ter sido domesticada com o hábito, cresceu selvagem e selvagem permanece. É espontânea, porém arisca. É quase um fardo. E não abro mão de carregá-lo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

fuga



Meus olhos andaram caçando o céu

Descobriram-no escondido atrás dos monstros de pedra

Meus olhos cansados fecharam-se

Por indeterminado tempo

Meus ouvidos esconderam-se dos sons

Agressivos, abundantes, anormais

Sob minhas mãos cansadas de aspereza.

Inspirei para que os sentidos poupados eu compensasse

E descobri o ar puro como incrível utopia.

Céus, eu abro mão destes sentidos por um dia.

Eu quero me esconder na mente brilhante daquele garoto

Aquele garoto homem, que se esconde na minha sem saber.

sábado, 20 de agosto de 2011

qualquer manhã

Eu encontrei a porta escancarada de manhã
E um bilhete seu, gentil e reticente,
Dizendo que logo voltava,
Pedindo que eu esperasse.
Amassei-o, indiferente, e pensei
"Enfim, acabou esse impasse!"
Coloquei de volta as margaridas na janela
E joguei fora suas garrafas vazias.
Qualquer resquício de saudade eu guardei
No fundo da gaveta de calcinhas.
Aposentei aquele cinzeiro fedorento,
Troquei-o por um jardim japonês.
Procurei o resto de amor pra jogar fora,
E percebi que havia acabado há mais de mês.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

tem coisa que não muda

Deitei sobre a grama de ninar e sorri
ao céu granulado de estrelas, que sorriam
de volta aos meus olhos bobos. Fiquei
ali a conversar, a suspirar, contar
histórias para a Lua sobre o amar, o mar
de tristeza e de alegria que é sentir.
Aos poucos, as estrelas despediam-se de mim.
Aos poucos, o céu ficava anil; o Sol
se erguia majestoso ao horizonte, e logo
abraçava a vasta imensidão da minha vista;
a brisa quente me acarinhou e eu adormeci.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

um trecho

[...]
O grande - e sempre insolúvel - problema é que pretendemos ser diferentes do que podemos ser. Buscamos nos moldar e aparecer a partir de uma preocupação com o reconhecimento - por parte dos outros - como pessoas especialíssimas. Perdemos nossa identidade e desperdiçamos nossa face mais autêntica. Representamos para uma platéia e esquecemos de viver.

Devemos nos propor à nossa própria descoberta. Desvendar o enigma que somos e romper nossas fronteiras, na verdade muito mais vastas e menos intransponíveis do que pensamos. Somos inventores de nossos limites.
[...]

Por: Luis Humberto, em "Fotografia, a Poética do Banal"

segunda-feira, 25 de julho de 2011

my favorite things


Orvalho nas rosas e bigodes de gatinhos
Chaleiras de cobre brilhantes e luvas de lã quentinhas
Pacote de papel marrom amarrado com barbante
Essas são algumas das minhas coisas favoritas
Pôneis coloridos e torta de maçãs
Campainhas e sinos e costeletas com macarrão
Gansos selvagens que voam com a lua em suas asas
Essas são algumas das minhas coisas favoritas
Garotas em vestidos brancos com fitas azuis
Flocos de neve sobre meu nariz e pestanas
O branco e a prata do inverno derretendo na primavera
Essas são algumas das minhas coisas favoritas
Quando o cachorro morde, quando a abelha pica
Quando estou me sentindo triste
Simplesmente me lembro das minhas coisas favoritas
E então não me sinto tão mal.



Por: Richard Rodgers & Oscar Hammerstein II

fontes noturnas

E de manhã, quando você acorda, não consegue abrir os olhos direito. As lágrimas da noite passada secaram e grudaram os seus cílios. Você esfrega, esfrega, e se pergunta por que chorou tanto. Enfim consegue abrir os olhos. Mas o motivo? Vai saber. Afinal, durante o dia você gargalha tanto! Mas antes de adormecer, é de dar dó. Deve ser algum defeito no travesseiro, pois basta que você encoste a cabeça nele para que rolem lágrimas gordas sobre seu rosto. Eu chutaria que tem algo a ver com seu ciclo menstrual, mas parece que é toda noite. Faça uma tabelinha, está bem?
Mas eu até entendo, garota. Outro dia eu te vi ali, empoeirando na estante. Há de ser alguma alergia, a causa dessas lágrimas. Alergia a essa poeira toda que se acumula. Você deveria fazer algo sobre isso. Faça e me conte, me conte se melhorou.

sábado, 28 de maio de 2011

uma parte

Eu gritei, mas ninguém ouviu.
Apenas meus medos apareceram
E, para me ajudar ou não,
eles permaneceram comigo.
Não me senti covarde.
Apreciei a companhia sem me entregar.
E, convivendo com eles,
senti me conhecer muito melhor
Do que se algum daqueles que chamei,
aos gritos, estivesse ao meu redor.
Fui embora e não me seguiram.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

paper bag

Eu estava olhando para o céu, apenas procurando por uma estrela.
Para orar, fazer um pedido ou algo assim.
Eu estava tendo uma doce fixação de um devaneio sobre um garoto
Cuja realidade eu sabia não ter esperança de acontecer
Mas então a pomba da esperança começou sua descida
E eu acreditei por um momento que minhas chances
Estavam se aproximando para serem agarradas
Mas enquanto ela descia para perto, também descia uma lágrima cansada
Achei que fosse um pássaro, mas era só um saco de papel.


Por: Fiona Apple.

sábado, 23 de abril de 2011

le mani

Vamos fazer nada novamente,
murmurar canções antigas, ou berrá-las e dançá-las.
O meu andar é engraçado e quem vê duvida
da minha sobriedade, mas ela é tão real.
É maior do que a deles, é maior do que a deles.

Há alguns anos eu tinha mãos pequenas
com dedos pequenos
que passavam no vão da caixinha de correspondência dos vizinhos.
Contas nunca foram tão decepcionantes
como quando o que eu procurava eram cartas
de amor, de amizade, cartas secretas de outra cidade

Há alguns dias eu tinha aquelas mãos,
quase as mesmas de agora, e elas passavam
pelos seus cabelos, e elas seguravam
as suas mãos enquanto tagarelávamos.
Mas a minha atenção estava no entrelaçar dos dedos.

E no futuro, quem sabe, essas mãos compridas
com dedos finos
passarão pelas caixinhas de correspondência dos vizinhos
por engano, e encontrar a minha será decepcionante
pelo número de contas tão maior do que o de cartas
sem papel, sem letras, sem remetente, sem nada.

sexta-feira, 18 de março de 2011

taraxacum


Assopre o dente-de-leão, garoto,
eu sei que ainda há fascínio nisso.
Assopre e preste atenção
enquanto as sementes se libertam...
Eu gosto de como sorri
a sua face ensolarada, garoto,
enquanto o vento leva
os pequenos pára-quedas.

Assopre o dente-de-leão, futuro-homem,
assopre enquanto há fascínio nisso.
Pois quando homem for, querido,
o prazer provavelmente será menos belo
e menos simples do que um dia fora.

sábado, 5 de março de 2011

boêmio

Boêmio
Nos cabarés da cidade
Buscas a felicidade
Na tua própria ilusão.

Boêmio
A boêmia resume
No vinho, o amor e o ciúme
Perfume, desilusão.

Boêmio
Ó Sultão, porque é que queres
Amar a tantas mulheres
Se tens um só coração?

Boêmio
Pensa na vida, um instante
E vê que o amor inconstante
Só traz, por fim, solidão.

Boêmio
Que ficas na rua
Em noite de lua
Tristonho a cantar
Na ilusão dos beijos viciosos
E dos carinhos pecaminosos.

Boêmio,
Tu vives sonhando
Com a felicidade
Mas não és feliz...
Vives, boêmio, sorrindo e cantando
Mas o teu sofrer
O teu riso não diz.


Por: Ataulfo Alves (a confirmar).

terça-feira, 1 de março de 2011

palavras de outrem


"Assumindo que o homem se corrompeu na civilização artificial, qual é o estado natural? O estado natural do qual ele foi removido? Imagine-se perambulando pela floresta, sem esforço, sem fala e sem casa."


Jean-Jacques Rousseau

sábado, 26 de fevereiro de 2011

bittersweet

E se o calor do Sol me tocasse
e eu não sentisse nada?
Se tivesse esse prazer vetado,
que bem me faria?
Ou se fosse, então, insensível,
à amena brisa matinal
e não sentisse o aroma de gramíneas
que ela traz por gentileza?
A falta desses detalhes levaria
de minha vida toda a beleza.

Mas e se eu fosse imune
às pancadas gélidas do granizo,
ao queimar nocivo da chama,
à doença que o corpo inflama,
não seria maravilhoso?
Não seria maravilhoso.
Estaria eu abrindo mão do calor,
da brisa, do aroma de gramíneas,
da beleza, da vida,
da beleza da vida.

Prefiro sentir tudo a sentir nada,
A bonança e a tempestade são lados
da mesma moeda.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

devaneio

O mundo é meu canto secreto.
No silêncio das conversas alheias
minha mente sussurra sonhos antigos
e me lembro do que ainda não aconteceu
ao me perder no zunir dos carros.
E se eu deitar sobre a grama macia,
minha cabeça vai além e desce
ao centro da Terra, e queima
com seu núcleo tão antigo e flamejante.
E queima: prazerosa ou dolorosamente
nesse lugar tão particular que é o mundo.
É meu. E me atrevo a passar pelas vidas
e permanecer em quase nenhuma...
E anseio fazer sorrir, mesmo permanecendo
anônima, sem rosto, sem documento.
É tudo experiência incerta:
quem está completamente certo?

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

all is full of love


Você receberá amor,
você receberá cuidado.
Você receberá amor,
você tem que confiar nisso.

Talvez não das fontes
nas quais você derramou o seu...
Talvez não das direções
para as quais está olhando.

Acredite no que está ao seu redor:
está tudo ao seu redor.
Tudo está cheio de amor,
tudo ao seu redor.

Tudo está cheio de amor
(só que você não está recebendo)
Tudo está cheio de amor
(seu telefone está fora do gancho)
Tudo está cheio de amor
(suas portas estão todas fechadas)
Tudo está cheio de amor



Por: Björk Guðmundsdóttir.

domingo, 23 de janeiro de 2011

sóbria


Não me fale daqueles que se afastaram
pelo meu medo do afastamento.
Eu já penso sobre isto às vezes,
e você não precisa me lembrar.
Você não me conhece, afinal,
mas eu não me conheço também.
Eu penso se no fim das contas
alguém sabe, realmente, quem é quem.
Não quero mergulhar em sentimentos superficiais;
tem coisas que eu já fiz e hoje nem entendo mais...
Mas não falo de arrependimento,
tampouco falo de voltar atrás.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

maybe you gotta buy a new pair of eyes

As coisas possuem a importância que damos a elas. Isso vale pra tudo, eu acho. Esses dias, ou melhor, essas noites, andei tendo sonhos longos e confusos. A maioria me fazia acordar melancólica, pensando sobre problemas antigos, amor antigo e sobre minhas inseguranças e incertezas. Uma bela merda. Tudo o que eu venho esquecendo com sucesso reaparecendo em sonhos. Que subconsciente cruel! De qualquer forma, não consegui deixar de me sentir contristada tão cedo.
Mas eu fui percebendo outras coisas ao meu redor. Detalhes. Aqueles pelos quais eu sou apaixonada, e não é de hoje. Caminhei ao redor de uma lagoa , onde vi e ouvi uma incrível variedade de pássaros, e tive o prazer de avistar uma garça pairando no ar, com as asas escancaradas, elegantíssima. Fiz cócegas no meu primo de dois anos e tive como resposta as gargalhadas mais deliciosas e contagiantes possíveis. Recebi o mais puro olhar de admiração e curiosidade do cachorro da costureira. Tomei banho de chuva.
Essas coisas, ao longo do dia, fizeram qualquer espinho que antes me molestava parecer ter ponta arredondada, inofensivo. Tudo parece mais simples e mais leve. As coisas mudaram? Não. Só as percepções. Resolve tudo? Às vezes. Ajuda? Sempre.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

rê começando

Nós mudamos tanto. E isso é fascinante. Lastimo quem se apega à idéia de não mudar. "Eu vou ser assim p'ra sempre, e pronto". E, enquanto se orgulham disso, as mudanças acontecem sem que eles percebam...
Eu quero perceber. E quero compartilhar (ou sentir compartilhar, ao menos) os meus pensamentos, minhas pequenas epifanias, meus sentimentos. Depois, olhar p'ra trás e ver o que mudou e o que precisa mudar.
Não tenho o dom da escrita; o que faço aqui é puro atrevimento. Mas faço sinceramente.

Por enquanto, é só.
Até mais ver!